Redes Sociais, imagem e excesso: A subjetividade contemporânea e o encontro com o Outro

Gustavo da Silva Machado, Nicole Montaño Vega Bezerra, Edson Mendonça de Oliveira


Keywords: rede social; ideal do eu; subjetividade contemporânea; psicanálise; imagem.


Na década de 1970, Susan Sontag anunciava: “Hoje, tudo existe para terminar numa foto”. Com novos desdobramentos tecnológicos e sociopolíticos, vivemos em tempos em que as imagens ultrapassam o registro e a recordação, busca-se expor, inventar, encaixar, fantasiar e comparar. A imagem possui os contornos do real. São tempos de excesso. Em meio à supervalorização da imagem e a necessidade do exibicionismo, nos esbarramos, dentro das redes sociais, com a imposição de modelos ideais e idealizados de ser, agir e pensar. Mas onde estaria, e qual seria o nosso desejo em um espaço como a rede social? Como poderíamos nos ver menos ancorados no desejo de reconhecimento e mais em reconhecer o próprio desejo, buscando uma vida em primeira pessoa como nos anuncia Lacan? Seguindo este questionamento, utilizamos o método psicanalítico e costuramos por meio de uma pesquisa acadêmica exemplos encontrados nas redes sociais como "fatos clínicos" para exemplificar e sustentar o argumento. Desta forma, buscamos refletir sobre os efeitos das redes sociais na subjetividade contemporânea pelo olhar da psicanálise. Partimos da ideia de uma psicanálise “extra-clínica”, direcionando nossas reflexões para a dinâmica discursiva estabelecida intersubjetivamente com o laço social. Trazemos para a reflexão a imposição do ideal de beleza na experiência de uma atriz que vivenciou transtornos alimentares em decorrência da demasiada vigilância imposta pelas redes sociais; um influenciador econômico que perpetua a ideia de um enriquecimento garantido que depende, quase que unicamente, do esforço individual; e a experiência de uma cantora drag queen que constantemente se vê às voltas da frustração por não conseguir "agradar" seus criteriosos fãs. Nestes exemplos e na elaboração teórica que desenvolvemos, percebemos a confirmação de que o efeito do olhar do Outro surge como o desejo de ser desejado, nos colocando em uma posição perene de alienação. A subjetividade contemporânea dá lugar de destaque para aquilo que pode (e deve) ser compartilhado, criando um status de realidade para aquilo que é virtual. Os modos de subjetivação passam a ter um alvo de consumo com uma mira míope, afinal, é impossível dar contornos de realidade àquilo que está nas exigências do virtual. Como propõe Maurício Maliska ao retomar Žižek, este Real forjado pelas redes sociais tem status de semblante: é real pela via do excesso e do traumático e, por isso, não somos capazes de integrá-lo à realidade, construindo um fantasma. Sem almejar uma conclusão definitiva e fechada, através dos exemplos analisados, percebemos que a subjetividade contemporânea, em conformidade com o modelo neoliberal de consumo, se vê sequestrada em meio ao sofrimento neurótico de se chegar em algum lugar, mas de nunca se satisfazer completamente, trazendo culpa e um sentimento de dívida persistente. Além disso, como seres discursivos, a forma como somos “nomeados” pelo outro afeta drasticamente o modo como nos enxergamos. Imersos em um espaço de ideias que não estão em parâmetros possíveis com a nossa realidade psíquica, nessa busca constante por se aproximar das exigências do Outro, acabamos por ficar em um “não lugar”, esbarrando com o aumento constante desse furo.


Referências

  • Birman, J. (2022). O sujeito na contemporaneidade: Espaço, dor e desalento na atualidade (5a ed.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. (Publicado originalmente em 2012)
  • Butler, J. (2021). Discurso de Ódio: Uma política do performativo (1a ed.). São Paulo: Unesp.
  • Freud, S. (2010). Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e Outros textos. Edição Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 12). São Paulo: Companhia das Letras. (Originalmente publicado em 1914-1916)
  • Lacan, J. (1988). O Seminário Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (3a ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Originalmente publicado em 1964)
  • Safatle, V., Junior, N., & Dunker, C. (2021). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico (1a ed.). Belo Horizonte: Autêntica.


Nota Biográfica


PT
Prof. Dr. Gustavo da Silva Machado é Psicólogo especialista em saúde com ênfase em urgência e emergência (RIMS/UFSC), Mestre em Psicologia Social e Cultura (PPGP/UFSC) e Doutor em Psicologia (PPGP/UFSC). Foi pesquisador visitante no departamento de Psicologia Social da Universidade Livre de Bruxelas (CeSCuP/ULB - 2022-2023). Co-dirige o Museu do que nos resta (muq), experimentando o museu como prática em arquitetura, psicanálise e artes, com participações no Field Office Workshop 01 (Londres, 2023), Museu da Escola Catarinense (2022), The 5th Wrong Biennale (2021) e o Seminário Psicologia e Luto (2021). Foi bolsista do DAAD dois anos consecutivos (2021 e 2022) para o curso de verão da Universidade Internacional de Psicanálise de Berlim. É professor nos cursos de psicologia e medicina da Universidade do Vale do Itajaí e professor visitante no mestrado integrado à formação em psicanálise da Tavistock Clinic, em Londres. Foi consultor de atenção psicossocial do UNICEF em Roraima (2020-2021) e psicólogo do Centro de Referência de Atendimento a Imigrantes (CRAI/SC) em Florianópolis (2018-2019). Atuou como psicólogo na Associação de direitos humanos com enfoque na sexualidade em Florianópolis (2015-2017). Trabalha em consultório privado desde 2017 como psicanalista, além de articular em sua prática atividades de democratização e popularização da psicanálise. Como interesses de pesquisa tem estudado práticas de normatização da diferença, clínicas públicas de psicanálise, arte e memória.


EN
Prof. Dr. Gustavo da Silva Machado is a Psychologist specializing in health with an emphasis on urgency and emergency (RIMS/UFSC), Master in Social Psychology and Culture (PPGP/UFSC) and PhD in Psychology (PPGP/UFSC). He was a visiting researcher at the Social Psychology department at the Free University of Brussels (CeSCuP/ULB - 2022-2023). Co-directs the muq, experiencing the museum as a practice in architecture, psychoanalysis and arts, with participation in the Field Office Workshop 01 (London, 2023), Museu da Escola Catarinense (2022), The 5th Wrong Biennale (2021) and the Psychology Seminar and Mourning (2021). He received a DAAD scholarship for two consecutive years (2021 and 2022) for the summer course at the International University of Psychoanalysis in Berlin. He is a professor in psychology and medicine courses at the University of Vale do Itajaí and a visiting professor in the master's degree integrated into training in psychoanalysis at the Tavistock Clinic, in London. He was a psychosocial care consultant at UNICEF in Roraima (2020-2021) and a psychologist at the Immigrant Assistance Reference Center (CRAI/SC) in Florianópolis (2018-2019). He worked as a psychologist at the Human Rights Association focusing on sexuality in Florianópolis (2015-2017). He has worked in a private practice since 2017 as a psychoanalyst, in addition to articulating in his practice activities to democratize and popularize psychoanalysis. His research interests have studied practices of normalization of difference, public psychoanalysis clinics, art and memory.


GO BACK


^