Palavras-chave: Paisagem Entrópica, Robert Smithson, Antropoceno, Cultura Visual, Ecologia Imaginética
A ideia de paisagem entrópica explorada pelo artista Robert Smithson em suas obras e escritos anuncia uma ruptura com o conceito de paisagem da sociedade ocidental, que coloca em campos opostos natureza e cultura. Na descrição do sítio onde construiu Spiral Jetty, por exemplo, ele estilhaça a estaticidade da paisagem nas artes plásticas, outro vetor de consolidação do divórcio instituinte entre natureza e cultura subjacente ao conceito de paisagem ocidental segundo Massimo Ferriolo. No filme de Spiral Jetty, parte fundamental da difusão da obra construída em área remota de difícil acesso, Smithson abre a paisagem para as diferentes espécies que a conformou, desde as ações extrativistas antrópicas, às algas que tingem de vermelho o lago salgado. A longa duração da geologia também comparece junto às ações antrópicas, consolidando seu conceito de paisagem entrópica, unindo a longa duração da geologia com a rápida temporalidade da exaustão extrativista. A humanidade assim, deixa de ser a espectadora distanciada da modernidade, tornando-se agente produtora de disrupções equivalentes aos grandes movimentos geológicos. Também podemos ver aqui prenúncios do Antropoceno, a época geológica que teria como marca estratigráfica as ações extrativistas da humanidade na crosta terrestre. Importante situar de qual humanidade estamos falando, pois se trata da parcela responsável pela produção e consumo das matérias-primas extraídas da crosta terrestre e impulsionada pela busca incessante de lucros, algo reforçado por Smithson em seus textos. Assim, estabelece-se um contraste entre o extrativismo minerário capitalista e sua relação de desgaste da terra e o cultivo do solo pelas populações nativas do continente americano, por exemplo. Segundo o artista, podemos aprender com as “moradias indígenas nos penhascos e” com seus “montes das esculturas de terra. Aqui nós vemos a natureza e a necessidade se conjugarem”. Vemos, assim, seu interesse pelas práticas dos povos originários americanos como exemplo de relações com o território diferentes daquelas da modernidade ocidental, unindo natureza e cultura, portanto. A imagem fotográfica e cinematográfica foi importante meio de acesso à paisagem entrópica para Smithson desde seu famoso passeio por Passaic, sua cidade natal no subúrbio nova iorquino, em 1967. Ali a fotografia serve como forma de ‘artificializar’ ainda mais aquela paisagem que passava por transformações radicais; como afirma o artista, “o Sol do meio-dia cinematizava o sítio, transformando a ponte e o rio em uma imagem super exposta. Fotografa-la com minha Instamatic 400 foi como fotografar uma fotografia”. Essa artificialização da paisagem por meio da fotografia é, portanto, outro meio de acessar a paisagem entrópica, uma maneira de aumentar ainda mais o grau de entropia da paisagem suburbana. Por fim, as propostas do artista de “reclamação de áreas de mineração”, do final de sua vida, são tentativas iniciais de “negociar a aterragem sobre um solo” como nos falaria Bruno Latour muitos anos depois. São também maneiras de romper com a “monocultura extrativista”, negociando com culturas não-ocidentais e agentes outros-que-humanos. Iremos abordar essa construção da paisagem entrópica como abertura para outras formas de compreensão da paisagem na contemporaneidade, aproximando-a ainda de outras abordagens e atuações contemporâneas.
PT
André Leal possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela FAU USP e é mestre e doutor em Artes Visuais pelo PPGAV / EBA / UFRJ, onde atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado com temática voltada para a relação da produção artística contemporânea e a emergência climática. É co-editor da revista Arte & Ensaios e também atua como curador e crítico independente. Em 2023 realizou residência artística na École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris, pelo programa CRESS (Création recherche en sciences sociales). É membro da Red de investigadores do Museo de la Solidaridad Salvador Allende (Santiago, Chile).
EN
André Leal has a degree in Architecture and Urbanism from FAU USP and a master's and doctorate in Visual Arts from PPGAV / EBA / UFRJ, where he is currently carrying out post-doctoral research with a theme focused on the relationship between contemporary artistic production and the climate emergency. He is co-editor of the magazine Arte & Ensaios and also works as an independent curator and critic. In 2023, he held an artistic residency at the École des Hautes Études en Sciences Sociales in Paris, under the CRESS (Création recherche en sciences sociales) program. He is a member of the Network of researchers at the Museo de la Solidaridad Salvador Allende (Santiago, Chile).