Palavras-chave: Apropriação, Montagem, Decolonial, Ficção, História
Como um alegorista, Denilson Baniwa embaralha referências visuais a partir da montagem e reapropriação de imagens ligadas à colonialidade e a fatos históricos. Em Ficções coloniais (ou finjam que não estou aqui), 2021, ele evidencia o papel das tecnologias fotossensíveis no processo de expropriação cultural e extermínio de seu povo originário. Ele comenta que usa uma mentira para desmascarar outras: “a primeira vez que me lembro de ser fotografado por alguém que não conhecia, foi para performatizar uma mentira”. (BANIWA, 2021) Denilson problematiza a fotografia como testemunho de existência lembrando que a ilusão de movimento foi fundamental no processo de ficcionalização colonial. Michaud observa as filmagens cinematográficas da Dança do búfalo e da Dança Sioux dos Fantasmas, de W.K.L Dickson. Segundo o autor, trata-se de: Uma operação cinematográfica que aparece como um meio de domesticar a energia e alienar os corpos, e o documento fílmico como a versão moderna de espetáculos circenses nos quais o que se exibe já não são homens, nem animais, porém suas imagens”. (MICHAUD. 2013, p. 68) Com a cinematografia, o efeito de movimento foi visto como um resgate do vivo. Numa busca animista e realista, foi percebida como uma vitória sobre a morte. Assim, fotografia e o cinema são, para ele, “um homicídio doloso, quando há intenção de matar, e o álibi é a ressurreição a partir do ângulo de visão do observador por trás das lentes. Eu matei, mas ressuscitei.” (BANIWA, 2021) Para Benjamin a alegoria é a representação da condição lutuosa de ser do homem, vista por ele como a produtividade da perda e da morte. Somos confrontados com a facies hippocratica da história como uma paisagem petrificada. “O luto é, ao mesmo tempo, a origem e o conteúdo da alegoria”. (BENJAMIN, 1984, p.253) Nas mãos de Baniwa as imagens do explorador alemão Koch-Grünberg tornam-se narrativa decolonial, assim como nas mãos de John Heartfield a agit-prop e a propaganda nazista tornaram-se narrativa antifascista. Essas colagens abordam o outro lado do testemunho da invasão colonial e são consonantes ao relato de Ailton Krenak: [...] uma mortandade de milhares e milhares de seres. Um sujeito que saía da Europa e descia numa praia tropical largava um rasto de morte por onde passava. [...] Para os povos que receberam aquela visita e morreram, o fim do mundo foi no século XVI. (KRENAK, 2019, p.36) A ideia de contrarretrato, de Correia, sugere uma força contradiscursiva nessas montagens. Recrear, como lembra Correia, “corresponde a jogar, divertir-se livremente, mas também [...] recriar, criar de novo, reusar, refazer, remontar”. (CORREIA apud FABRIS, 2020, p.17) A fotomontagem subverte o automatismo realista do meio fotográfico, anima sua propriedade fixa, e responde ao mal-estar em torno da fotografia com prazer lúdico e inventivo. Uma consciência de que imagens, assim como os seres, existem para além de todo enquadramento.
As an allegorist, Denilson Baniwa shuffles visual references through the montage and reappropriation of images linked to coloniality and historical facts. In Colonial Fictions (or pretend I'm not here), 2021, he highlights the role of photosensitive technologies in the process of cultural expropriation and extermination of his native people. He comments that he uses a lie to unmask others: "the first time I remember being photographed by someone I didn't know was to perform a lie". (BANIWA, 2021) Denilson problematizes photography as a witness of existence, remembering that the illusion of movement was fundamental in the process of colonial fictionalization. Michaud observes the cinematographic recordings of the Buffalo Dance and the Sioux Ghost Dance by W.K.L Dickson. According to the author, it is: A cinematographic operation that appears as a means of domesticating energy and alienating bodies, and the film document as the modern version of circus shows in which what is displayed are no longer men, nor animals, but their images. (MICHAUD. 2013, p. 68) With cinematography, the effect of movement was seen as a rescue of the living. In an animistic and realistic quest, it was perceived as a victory over death. Thus, photography and cinema are, for him, “intentional homicide, when there is intent to kill, and the alibi is resurrection from the observer's point of view behind the lenses. I killed, but I resurrected.” (BANIWA, 2021) For Benjamin, allegory is the representation of man's mournful condition, seen by him as the productivity of loss and death. We are confronted with the facies hippocratica of history as a petrified landscape. “Mourning is, at the same time, the origin and content of allegory”. (BENJAMIN, 1984, p.253) In Baniwa's hands, the images of the German explorer Koch-Grünberg become a decolonial narrative, just as in John Heartfield's hands, agit-prop and Nazi propaganda became an anti-fascist narrative. These collages address the other side of the testimony of the colonial invasion and are consonant with Ailton Krenak's account: [...] a mortality of thousands and thousands of beings. A subject who left Europe and landed on a tropical beach left a trail of death wherever he went. [...] For the peoples who received that visit and died, the end of the world was in the 16th century. (KRENAK, 2019, p.36) The idea of counter-portrait, by Correia, suggests a contradictory force in these montages. Recreate, as Correia reminds us, “corresponds to playing, having fun freely, but also [...] recreating, creating again, reusing, redoing, reassembling”. (CORREIA apud FABRIS, 2020, p.17) Photomontage subverts the realistic automatism of the photographic medium, animates its fixed property, and responds to the discomfort around photography with playful and inventive pleasure. An awareness that images, like beings, exist beyond any framing.
PT
Rochele Zandavalli é artista e pesquisadora. Doutoranda em História, Teoria e Crítica em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAV/UFRGS. Pesquisadora hospedada pelo Institut de Recherche sur le Cinéma et l'Audiovisuel (IRCAV) na Sorbonne Nouvelle Paris III, tendo sido orientada pela Pesquisadora Teresa Castro, durante o Doutorado sanduíche com bolsa de pesquisa CAPES Print em 2023). Mestra em Poéticas Visuais pelo mesmo programa PPGAV/UFRGS e graduada em Artes Visuais com ênfase em Fotografia pelo Instituto de Artes da UFRGS. É fotógrafa da Secretaria de Comunicação da UFRGS, professora na Fluxo – Escola de Fotografia e na Algures Escola de Joalheria Contemporânea. Foi professora de fotografia na Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), entre 2013 e 2021.
Suas obras pertencem a coleções como a Joaquim Paiva, em comodato com MAM/RJ; Pierre Bessard, Paris/FR; DNA, Paris/FR. Seu trabalho foi visto em importantes festivais como o Festival de Fotografia de Tiradentes - Projeto Foto em Pauta, Tiradentes/BH, em 2019 e em 2024; Festival ZUM/IMS, São Paulo/SP 2023; Arles Books Fair, no Rencontres d’Arles, na França, 2023; Festival Photothings, São Paulo/SP, 2022; Cinefoot - Festival de Cinema de Futebol, cidades brasileiras e online, 2020; Livres et revues d’artistes: une perspective brésilienne – mesa internacional. Rennes/França. 2018; Festival Internacional da Imagem Valongo - Novos Protagonismos - Fotografia, poder e escolha. Santos/SP, 2018; Festival Internacional Outono Fotográfico - Memory Lab os Happiness, em Ourense, Galícia/ Espanha, 2017; e Festival Internacional Encontros da Imagem - Discovery Awards. Braga/ Portugal, 2016. Sua produção envolve coexistência entre tecnologias, fotografia em sua abordagem expandida, fotoquímica, e processos experimentais. Tem interesse na potência mnemônica das imagens e na história das nossas representações, trabalhando anacronismos a partir de cruzamentos temporais, memoriais e projeções.
EN
Rochele Zandavalli is an artist and researcher. PhD student in History, Theory and Criticism in Visual Arts at the Postgraduate Program in Visual Arts at the Federal University of Rio Grande do Sul (PPGAV/UFRGS). Researcher hosted by the Institut de Recherche sur le Cinéma et l'Audiovisuel (IRCAV) at the Sorbonne Nouvelle Paris III, having been supervised by Researcher Teresa Castro, during her sandwich PhD with a CAPES Print research grant in 2023). Master in Visual Poetics from the same PPGAV/UFRGS program and graduated in Visual Arts with an emphasis on Photography from the UFRGS Institute of Arts. She is a photographer at the UFRGS Communication Department, professor at Fluxo – Escola de Fotografia and at Algures Escola de Joalheria Contemporânea. She was a photography professor at the University of Vale dos Sinos (Unisinos), between 2013 and 2021.
Her works belong to collections such as Joaquim Paiva, loaned to MAM/RJ; Pierre Bessard, Paris/FR; DNA, Paris/FR. Her work was seen at important festivals such as the Tiradentes Photography Festival - Projeto Foto em Pauta, Tiradentes/BH, in 2019 and 2024; ZUM/IMS Festival, São Paulo/SP 2023; Arles Books Fair, at Rencontres d’Arles, in France, 2023; Photothings Festival, São Paulo/SP, 2022; Cinefoot - Football Film Festival, Brazilian cities and online, 2020; Livres et revues d’artistes: a Brazilian perspective – international table. Rennes/France. 2018; Valongo International Image Festival - New Protagonisms - Photography, power and choice. Santos/SP, 2018; International Autumn Photographic Festival - Memory Lab os Happiness, in Ourense, Galicia/ Spain, 2017; and International Festival Encontros da Imagem - Discovery Awards. Braga/ Portugal, 2016. Her production involves coexistence between technologies, photography in its expanded approach, photochemistry, and experimental processes. She is interested in the mnemonic power of images and the history of our representations, working on anachronisms based on temporal crossings, memorials and projections.