As figuras do Geontopoder como diagnóstico dos limites do Imaginário Antropocêntrico: imagens para além da cisão entre Vivo e Não Vivo

Gustavo da Silva Machado, Nicole Montaño Vega Bezerra, Edson Mendonça de Oliveira


Keywords: Geontologias; Elizabeth Povinelli; Crise Ecológica; Figuras do Geontopoder; Vida e Não Vida


Este primeiro quarto de século XXI traz consigo tudo o que estar diante de Gaia exige, demandando de nós uma posição de respons-habilidade frente à crise ecológica, que demonstra seus efeitos pelo globo de forma cada vez mais intensa, fragilizando a rede multiespecífica que sustenta a Vida. Elizabeth Povinelli, antropóloga estadunidense que trabalha junto a coletivos indígenas na Austrália, apresenta em Geontologias: um réquiem para o liberalismo tardio três figuras-diagnósticas do Geontopoder – um complemento ao conceito foucaultiano de Biopoder que contempla também o poder exercido sobre e a partir do geos. As figuras do Deserto, do Animista e do Vírus assimilam a cisão fundamental entre Vida e Não Vida a seus modos, fazendo operar seus respectivos imaginários, ora dramatizando tal divisão, ora a ignorando, ora utilizando e se beneficiando dela. Como sintomas, essas figuras ao mesmo tempo visibilizam as táticas do poder, seus discursos e os afetos suscitados, e servem de contra-imagem na disputa ético-ontológica e semiótico-estética que envolve e produz a crise ecológica. A ontologia clássica, que privilegia a Vida em detrimento da Não Vida, o Bios em detrimento do Geos, define parâmetros éticos para narrarmos a nós mesmos e o que cabe em nossa estreita noção de alteridade. Para que nossas concepções sobre as existências se complexifiquem e não permaneçam reféns dessa divisão imposta pela (bio)ontologia ocidental, deveríamos pressupor o entrelaçamento dos existentes, que, engajados na atividade da permanência, sustentam uma relação de atenção e cuidado mútuos. Partindo dos Dreamings dos seus amigos (narrativas “totêmicas” sobre seis existentes e seus modos de ser e estabelecer relações com seus interlocutores), Povinelli traz um outro entendimento sobre o estatuto ontológico daquilo que existe, não mais tendo como régua o Vivo, o Animal ou o Humano. Nomeadas no plural, as Geontologias são sempre imanentes aos territórios que narram. A autora pretende realçar o “cercamento biontológico da existência” e explicitar “a dificuldade de encontrar uma linguagem crítica que possa abarcar o momento”. Segundo ela, não poderemos simplesmente incluir e reconhecer o direito de outros existentes em nossas narrativas sem deslocar nosso imaginário antropocêntrico. Mostra-se imprescindível romper com essa pretensa divisão e com a ideia de Vida em si, que sustenta e é sustentada pela ignorância a respeito das relações simbióticas que constituem o mundo. Deste modo, as figuras do geontopoder são tanto “fantasmas governantes” quanto “indicadoras de um mundo possível diferinte”. Assim, podemos nos indagar sobre quais figuras, imagens e imaginários têm delimitado nossa relação com e no mundo e sobre quais arranjos de existência estamos mantendo e quais estamos extinguindo, ao invés de apegar-nos ao drama Humano, o drama da Vida.


Bibliografia

  • Costa, A. (2016). VIRADA GEO(NTO)LÓGICA: REFLEXÕES SOBRE VIDA E NÃO-VIDA NO ANTROPOCENO. ANALÓGOS, 16(1). https://doi.org/10.17771/PUCRio.ANA.28127
  • Gilbert, S. F., Sapp, J., & Tauber, A. I. (2012). A Symbiotic View of Life: We Have Never Been Individuals. The Quarterly Review of Biology, 87(4), 325–341. https://doi.org/10.1086/668166
  • Haraway, D. (2023). Ficar com o problema: Fazer parentes no Chthluceno (A. L. Braga, Trad.). N-1 Edições.
  • Latour, B. (2020). Diante de Gaia: Oito conferências sobre a natureza no Antropoceno (M. Meyer, Trad.). Ubu Editora.
  • Povinelli, E. (2022). Geontologias (M. Ruggieri, Trad.). Ubu Editora.


Nota Biográfica


Gustavo da Silva Machado
Psicólogo especialista em saúde com ênfase em urgência e emergência (RIMS/UFSC), Mestre em Psicologia Social e Cultura (PPGP/UFSC) e Doutor em Psicologia (PPGP/UFSC). Foi pesquisador visitante no departamento de Psicologia Social da Universidade Livre de Bruxelas (CeSCuP/ULB - 2022-2023). Co-dirige o muq, experimentando o museu como prática em arquitetura, psicanálise e artes, com participações no Field Office Workshop 01 (Londres, 2023), Museu da Escola Catarinense (2022), The 5th Wrong Biennale (2021) e o Seminário Psicologia e Luto (2021). Foi bolsista do DAAD dois anos consecutivos (2021 e 2022) para o curso de verão da Universidade Internacional de Psicanálise de Berlim. É professor nos cursos de psicologia e medicina da Universidade do Vale do Itajaí e professor visitante no mestrado integrado à formação em psicanálise da Tavistock Clinic, em Londres. Foi consultor de atenção psicossocial do UNICEF em Roraima (2020-2021) e psicólogo do Centro de Referência de Atendimento a Imigrantes (CRAI/SC) em Florianópolis (2018-2019). Atuou como psicólogo na Associação de direitos humanos com enfoque na sexualidade em Florianópolis (2015-2017). Trabalha em consultório privado desde 2017 como psicanalista, além de articular em sua prática atividades de democratização e popularização da psicanálise. Como interesses de pesquisa tem estudado práticas de normatização da diferença, clínicas públicas de psicanálise, arte e memória.


Nicole Montaño Vega Bezerra
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Edson Mendonça de Oliveira
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