Palavras-chave: Cidade, Psicanálise, Contra-imagem, Loucura, Documentário.
Este trabalho visa explorar as potências da apresentação de um documentário acerca do projeto de extensão Acompanhamento Terapêutico (AT): clínica e criação na cidade, que ocorre, desde 2014, na Universidade Federal de Santa Catarina, no município de Florianópolis. O AT é um dispositivo clínico-político que rompe com o setting tradicional e vai ao encontro dos sujeitos nos territórios da cidade. Os objetivos deste projeto consistem em qualificar a formação de estudantes de psicologia, produzir conhecimentos teórico-prático em saúde mental coletiva sob a ótica da psicanálise, ampliar a oferta de serviços de atenção à saúde mental no município e, sobretudo, possibilitar o cuidado em liberdade, de acordo à Reforma Psiquiátrica Brasileira. A estratégia é voltada a casos graves, com difícil vinculação aos moldes instituídos no tratamento em saúde, que apresentam dificuldade de circulação social, limitada rede de cuidado e estrutura subjetiva que difere do que é destacado enquanto norma em nossa organização social. Assim, orientado pela ética da psicanálise, o trabalho realizado no AT possibilita que se crie uma clínica do testemunho, onde o acompanhante possa escutar e articular fragmentos da vida do acompanhado com suas produções delirantes, auxiliando no enlace do sujeito com o laço social. A travessia de cada acompanhar é sustentada pela presença e pelo ato de secretariar, sendo que, através da relação no um-a-um, o sujeito é colocado em cena para a produção de um saber singular sobre si mesmo. Desse modo, seja em andanças no centro da cidade, na praça ou em uma simples visita domiciliar, algo pode ser inventado. Algo que convoque para uma experiência que produza um novo lugar, uma nova relação com o desejo e os impossíveis do sujeito. O documentário visa, nesse sentido, captar alguns desses fragmentos que colocam em movimento o que há de invenção e criação nos processos de subjetivação dentro do dispositivo. Além de retomar historicamente as prerrogativas da luta antimanicomial brasileira e da loucura enquanto locus de um saber marginalizado, o documentário é de natureza experimental e busca orientar-se pela ética da psicanálise, seja na sua composição contra-imagética, seja na sua compleição contra-narrativa. Aposta-se, portanto, que a circulação das imagens do projeto de extensão apresenta uma potência de, como em uma alegoria, apontar para uma forma contra-hegemônica de organização de cidade, de territórios e do laço social, já que a performance-política do documentário demonstra a possibilidade de produzir dispositivos que fazem-ver ao invés de dispositivos que fazem-calar. A partir dessa exposição, buscaremos refletir sobre os processos de criação do cuidado em liberdade, o que há de invenção na clínica psicanalítica a céu aberto e as elaborações de possibilidades artísticas e ético-políticas do AT na busca por re-imaginar as relações entre os sujeitos e deles com o espaço da cidade.
This work aims to explore the potential of presenting a documentary about the extension project Therapeutic Accompaniment (AT): clinic and creation in the city, which has been taking place since 2014 at the Federal University of Santa Catarina, in the municipality of Florianópolis. AT is a clinical-political device that breaks with the traditional setting and meets the subjects in the city's territories. The objectives of this project are to qualify the training of psychology students, produce theoretical-practical knowledge in collective mental health from the perspective of psychoanalysis, expand the offer of mental health care services in the municipality and, above all, enable care in freedom, in accordance with the Brazilian Psychiatric Reform. The strategy is aimed at severe cases, with difficult linkage to the instituted treatment models in health, which present difficulty in social circulation, limited care network, and subjective structure that differs from what is highlighted as the norm in our social organization. Thus, guided by the ethics of psychoanalysis, the work carried out at AT makes it possible to create a testimony clinic, where the companion can listen to and articulate fragments of the accompanied person's life with their delirious productions, helping to link the subject with the social bond. The journey of each accompanying person is sustained by presence and the act of secretarial work, where, through the one-on-one relationship, the subject is put on stage to produce singular knowledge about themselves. In this way, whether in walks in the city center, in the square, or a simple home visit, something can be invented. Something that calls for an experience that produces a new place, a new relationship with the subject's desire and impossibilities. The documentary aims, in this sense, to capture some of these fragments that put in motion what is invention and creation in the processes of subjectivation within the device. In addition to historically resuming the prerogatives of the Brazilian anti-asylum struggle and madness as a locus of marginalized knowledge, the documentary is experimental in nature and seeks to be guided by the ethics of psychoanalysis, either in its counter-imagetic composition or its counter-narrative complexion. It is therefore assumed that the circulation of images from the extension project presents a potential to, as in an allegory, point to a counter-hegemonic form of city organization, territories, and the social bond, since the political performance of the documentary demonstrates the possibility of producing devices that make-see instead of devices that make-silence. From this exhibition, we will seek to reflect on the processes of creating care in freedom, what is invention in open-air psychoanalytic clinics, and the elaborations of artistic and ethical-political possibilities of AT in the search to reimagine the relationships between subjects and their relationship with the city's space.
PT
Vitor de Sena Moraes
Está cursando o último ano de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina. Foi bolsista no projeto Acompanhamento Terapêutico: Clínica e Criação na Cidade por um ano, projeto este onde realiza estágio obrigatório atualmente.
Laís Regina Schmitz
É psicóloga pela Universidade Federal de Santa Catarina. Faz formação na Escola Brasileira de Psicanálise (EBP - Seção sul). Foi bolsista no projeto Acompanhamento Terapêutico: Clínica e Criação na Cidade por um ano, projeto este onde realizou estágio obrigatório.
Ana Lúcia Mandelli de Marsillac
Psicanalista, Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do PPG em Psicologia UFSC, Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). Bolsista PQ do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq/Brasil. Pós-doutora Universidade Nova de Lisboa (UNL), Membro do Observatório em Estudos Visuais e Arqueologia dos Media/UNL.
EN
Vitor de Sena Moraes
Student in the final year of the Psychology course at the Federal University of Santa Catarina. He was a scholarship holder in the ‘Acompanhamento Terapêutico: Clínica e Criação na Cidade’ project for a year. In the same project, he currently carries out a mandatory internship.
Laís Regina Schmitz
Psychologist, graduated from the Federal University of Santa Catarina. Student member of the Brazilian School of Psychoanalysis (EBP - South Section). She was a scholarship holder in the ‘Acompanhamento Terapêutico: Clínica e Criação na Cidade’ project for a year, project where she also completed a mandatory internship.
Ana Lúcia Mandelli de Marsillac
Psychoanalyst, Adjunct Professor at the Department of Psychology at the Federal University of Santa Catarina (UFSC). Professor of PPG in Psychology UFSC, Member of the Psychoanalytic Association of Porto Alegre (APPOA). PQ Scholarship from the National Council for Scientific and Technological Development/CNPq/Brazil. Post-doctorate at Universidade Nova de Lisboa (UNL), Member of the Observatory in Visual Studies and Media Archeology/UNL.