Palavras-chave: Virada ontológica da arte, desaceleracionismo, ontoecologia da arte, Gaia, Antropoceno
Em “Accepting the reality of Gaia”, a filósofa belga Isabelle Stengers apresenta Gaia como um sujeito-objeto dotado de uma imanência radical que não pode ser acomodada no conceito de Antropoceno. Inspirando-se numa transformação da Teoria de Gaia, de Lovelock e Margulis, para ela Gaia é uma fratura epistemológica diante da qual o ocidente não sabe como se mover. Do outro lado do mundo, em 2021, o artista macuxi Jaider Esbell declarou, em entrevista à revista Arte & Ensaios, que “no mundo indígena todo mundo é artista”. Essas duas declarações podem parecer bastante distantes, porém ambas tratam de fissuras na linguagem, nas quais o que está em jogo não são apenas culturas ou nomenclaturas, mas metafísicas em conflito. Partiremos daí para tentar tecer uma leitura do que seria uma virada ontológica nas artes. Esta apresentação se insere nos estudos da virada especulativa nas artes, mais especificamente a virada para o não-humano [nonhuman turn] como uma das maneiras de pensar e viver a emergência ecológica presente – ou, nas palavras de Bruno Latour, “diante de Gaia” – a partir de um olhar multiespecífico, aliado, sobretudo, ao pensamento contemporâneo sobre as crises. Juntamo-nos assim aos esforços pela afirmação de uma prática artística e filosófica implicada com as ciências, com os estudos animais e feministas; não no sentido de uma já um tanto gasta tradução entre esses campos [que vê a arte como grande leitora ou interpretadora do mundo], mas no da tentativa de criação conjunta de uma porosidade entre eles e, consequentemente, de uma cocriação de outros mundos, em um processo de adensamento da pluralidade de linguagens humanas e outras-que-humanas em práticas contemporâneas. Esta conferência busca, assim, rever as divisões ontológicas estabelecidas pela tradição rumo à formulação de uma nova ontologia/ecologia [ontoecologia?] das práticas artísticas para além da “vida dos objetos”. A linha de fuga polifônica – ou poliepistêmica – ensaiada por esta apresentação pretende nesse sentido retirar o artista de seu lugar (não raro negado) de sustentação da crise – por meio do permanente auxílio das artes, do mercado de arte, do sistema da arte e de suas instituições – levando-o antes em direção ao papel daquele que instaura uma insustentação ou contribui para seu desequilíbrio. Não se tratará, aqui, de discorrer sobre as representações ou o caráter representativo de uma mesma realidade (a da crise atual) no âmbito da arte mas sim de reconhecer suas múltiplas realidades – daí o caráter ontológico e não somente epistemológico, dessas experiências. Como disse uma vez a filósofa brasileira Déborah Danowski, “muitos que negam as mudanças climáticas o fazem simplesmente por não suportarem pensar na radicalidade das mudanças que seriam necessárias para enfrentá-las e, sobretudo, na radicalidade das mudanças que seremos obrigados a enfrentar”. Acredito que podemos dizer o mesmo sobre nosso modo de fazer e pensar arte.
PT
Cecilia Cavalieri é artista-etc., escritora, pesquisadora, cosmotransfeminista e mãe suficientemente boa. É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-Rio com o projeto "Da estrela ao grão: FCs [Fabulações Contranegacionistas] entre artes visuais e filosofia" sob supervisão de Déborah Danowski. É mestra em Artes Visuais [PPGArtes/UERJ] e doutora em Linguagens Visuais [PPGAV/UFRJ] com estágio doutoral no laboratório de Sociologia e Filosofia Política da Université Paris-Nanterre [Sophiapol]. É membra dos grupos de pesquisa SPECIES - Núcleo de Antropologia Especulativa [UFPR/CNPq] e Terranias - Núcleo Transdisciplinar de Pensamento Ecológico [PUC-Rio/CNPq]. Membra do Proyecto Portunholas: Laboratorio de mujeres artistas en las fronteras de Sudamérica [uma iniciativa do Goethe Institut Bolivia] desde 2021. Foi professora Substituta no Depto de Artes e Estudos Culturais [UFF - Polo Rio das Ostras / RJ]. Co-organizou o Colóquio Internacional Os Mil Nomes de Gaia ao lado de Viveiros de Castro, Danowski e Latour. Fez a curadoria da Station 15 do Laboratoire Espace Cerveau [IAC lnstitut d'art contemporain Villeurbanne, 2019] ao lado de Daniel Steegmann-Mangrané. Foi indicada ao Prêmio Pipa [2022]. https://linktr.ee/ceciliacavalieri
EN
Cecilia Cavalieri is an artist-etc., writer, researcher, cosmotransfeminist and good enough mother. She is a postdoctoral student in the Postgraduate Program in Philosophy at PUC-Rio with the project "From the star to the grain: FCs [Counternegationist Fabulations] between visual arts and philosophy" under the supervision of Déborah Danowski. She has a master's degree in Visual Arts [PPGArtes/UERJ] and a PhD in Visual Languages [PPGAV/UFRJ] with a doctoral internship at the Sociology and Political Philosophy laboratory at Université Paris-Nanterre [Sophiapol]. She is a member of the research groups SPECIES - Núcleo de Antropologia Speculativa [UFPR/CNPq] and Terranias - Núcleo Transdisciplinar de Pensamento Ecológico [PUC-Rio/CNPq]. Member of the Portunholas Project: Laboratory of women artists on the borders of South America [an initiative of the Goethe Institut Bolivia] since 2021. She was a Substitute Professor at the Department of Arts and Cultural Studies [UFF - Polo Rio das Ostras / RJ]. Co-organized the International Colloquium Os Mil Nomes de Gaia alongside Viveiros de Castro, Danowski and Latour. She curated Station 15 at Laboratoire Espace Cerveau [IAC lnstitut d'art contemporain Villeurbanne, 2019] alongside Daniel Steegmann-Mangrané. She was nominated for the Pipa Award [2022]. https://linktr.ee/ceciliacavalieri