Renascimento psicodélico na arte indígena: Da curiosidade antropológica à perspectiva decolonial

José Eliézer Mikosz


Palavras-chave: ayahuasca, xamanismo, pintura visionária, arte indígena, decolonização


Com a tese A arte visionária e a Ayahuasca, buscou-se evidenciar uma prática muito antiga na humanidade que é realizar desenhos, pinturas, esculturas, inspiradas em visões advindas de estados não ordinários de consciência (ENOC). Nos primeiros estágios dessas visões pode acontecer o fenômeno entóptico, onde padrões geométricos aparecem como os ziguezagues, treliças, espirais entre outros grafismos encontrados na arte rupestre e indígena. Diversos povos na América do Sul utilizam plantas psicoativas em suas culturas, baseados em suas visões constroem esses padrões em suas pinturas corporais, vestimentas, cerâmica etc., num estilo característico de sua cultura.

Podemos observar os trabalhos dos índios Shipibo no Peru onde os ziguezagues e espirais estão presentes. Um exemplo notável dessa construção artística é do pintor Pablo Amaringo, um xamã que se dedicava a pintar quadros com representações do seu povo e de paisagens amazônicas. Foi pela influência de Luiz Eduardo Luna, um antropólogo que estava estudando os xamãs ribeirinhos que, ao entrar em contato com Amaringo, sugeriu que ele pintasse as visões resultantes da ingestão da bebida psicoativa Ayahuasca. Disso resultou uma produção que o tornou conhecido no mundo todo. Juntos escreveram o livro Ayahuasca Visions (1991), que se tornou um ícone. Amaringo influenciou vários artistas, ele fundou com Luna a Usko Ayar, uma escola de pintura em Pucallpa no Peru.

Se pegarmos exemplos de outros povos da Floresta Amazônica, os Tukano e Huni Kuin, vamos encontrar várias representações visuais deles que também usam a Ayahuasca de forma sacramental em sua cultura. No passado esses povos foram estudados por antropólogos como Luna, Furst e Dolmatoff. Como é sabido, estes não tinham originalmente o mesmo entendimento da Arte que o ocidente. Não havia ali galerias de arte ou museus. Uma visão diacrónica desta questão permite compreender como a miscigenação, essa troca de culturas, possibilitou que artistas do povo Tukano e Huni Kuin (entre outros) entrassem no circuito oficial da arte, obtendo representatividade em museus, galerias e bienais, tendo um lugar de fala que é hoje objeto de pesquisa e fonte de conhecimento acessível a todos, onde se pode discutir questões num processo que hoje se define como decolonização, contribuindo assim para um renovado interesse por estes estudos num território que se quer isento e comum.


Bibliografia

  • Dolmatoff, R. (1968). Desana: Simbolismo dos Índios Tukano del Vaupés. Bogotá: Universidad de los Andes - Departamento de Antropologia.
  • Furst, P. T. (1976). Alucinógenos e Cultura. Póvoa de Varzim: Tipografia Camões.
  • Luna, L. E., & Amaringo, P. (1991). Ayahuasca Visions: The Religious Iconography of a Peruvian Shaman. Berkeley: North Atlantic Books.
  • Mikosz, J. E. (2009). A Arte visionária e a Ayahuasca: Representações visuais de espirais e vórtices nos Estados Não Ordinários de Consciência (ENOC). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina.


Nota Biográfica


José Eliézer Mikosz
Artista transmídia, professor e pesquisador. Pós-doutoramento no Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos (Departamento de Línguas, Culturas e Literaturas Modernas) e do Centro de Humanidades (CHAM) no subgrupo Arte, História e Patrimônio, com o tema em Representações de Arte e Erotismo inspirados na Contracultura Psicodélica dos anos 1960 na Universidade NOVA de Lisboa, 2024. Pós-doutoramento em Ciências da Arte e do Patrimônio com o tema Arte Visionária e Psicodélica na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), 2018. Doutorado pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGICH-UFSC) com a tese A Arte Visionária e a Ayahuasca, 2009. Professor Associado da Universidade Estadual do Paraná (Unespar) e Editor da Revista Interdisciplinar Internacional de Artes Visuais ArtSensorium. Professor no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, Mestrado Acadêmico da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap - PPGAV - Unespar Campus de Curitiba 1) e no Programa de Pós-graduação em Artes, Mestrado Profissional da Faculdade de Artes do Paraná (FAP - PPGARTES - Unespar Campus de Curitiba 2). Membro do Centro de Investigação em Belas Artes da Universidade de Lisboa (CIEBA-FBAUL). Membro do CHAM, subgrupo Arte, História e Patrimônio da Universidade NOVA de Lisboa. Membro do Conselho Consultivo do Centro de Pesquisa para o Estudo de Plantas Psicointegradoras, Arte Visionária e Consciência – Wasiwaska na cidade de Florianópolis.


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