Palavras-chave: contra-narrativas, colonização, subjetividade, resistência, imagens
O processo de colonização fundou a experiência brasileira, definiu os territórios e os corpos, podendo ser observado os efeitos desse processo ainda em operação nas instituições e seus agentes, como a polícia, os hospitais e as universidades. Pensando junto com Muniz Sodré (2023), podemos dizer que a colonização transcende as estruturas das instituições, se perpetuando ao longo do tempo por meio da linguagem, atingindo diretamente nossos afetos. Desse modo, ainda que a sociedade colonial-escravista tenha tido seu fim no Brasil a partir da Lei Áurea, imagens que remetem ao modo de ser colonial continuam se atualizando ininterruptamente, ao exemplo dos frequentes ataques aos entregadores do ifood, na diferença de atuação dos policiais militares de acordo com o perfil sócio-econômico de cada bairro da cidade e também sobre o modo em que cada tipo de expressão artística ou litúrgica é ou não reconhecido como parte da nossa cultura, indicando o que deve ou não ser preservado/destruído.
Mas o que se atualiza com essas imagens coloniais que ainda hoje insistem em se materializar? Uma forma! - Diria Sodré (2023). Uma forma de sentir e agir. Um modo de vida que Nego Bispo (2023) se refere como Euro-Cristão-Colonizador. Os europeus tiveram seus modos/medos construídos através de uma cosmologia monoteísta, resultando, assim, num tipo de pensamento universalizante. Partindo da ideia de que só uma forma de vida poderia ser verdadeira, todas as outras formas poderiam ser submetidas a sua cosmofobia. A partir disso, Bispo (2023) aponta o contracolonialismo enquanto modo de resistência frente a colonização subjetiva. No campo da linguagem, isso significa enfraquecer os conceitos do colonizador enquanto se potencializa os conceitos orgânicos.
Felix Guattari (1992) argumenta no seu livro Caosmose, que a subjetividade que se produz no capitalismo é fundamentalmente desterritorializada. Isso quer dizer que seus territórios etológicos originários não estão mais dispostos em um ponto preciso da terra, mas se incrustaram em universos incorporais – em imagens. Tanto Guattari (1992) quanto Bispo (2023) perceberam, por vias distintas, a necessidade do colonialismo de produzir essa desterritorialização. Ambos entenderam uma operatória do capitalismo que mantém a servidão do outro.
Nesse sentido, contracolonial é o gesto que produz contra-imagens. O pensador Antilhano Edouard Glissant (2021) chama atenção para o imaginário enquanto campo de disputa, ele olha para a força inventiva da linguagem como modo de produção de si e de mundo. A poética da linguagem enquanto máquina de guerra e máquina poética. Uma aposta na opacidade como resposta à transparência colonial. Direção que é sintonizada com a proposta clínico-política de combate a colonização subjetiva do psiquiatra e militante antilhano Frantz Fanon(2022), que defende a importância da violência na luta por libertação. No entanto, não se trata de uma violência colonial – aquela que além de destruir o modo de vida nativo, dá contorno as imagens, cria um outro monstruoso – mas de uma violência criativa. Uma violência que destrói o imaginário colonial. Diante da monocultura imagética neoliberal, entendemos que contra-imaginar e disputar na contramão das representações de um mundo dado é uma tarefa cada vez mais urgente.
Mario Morel é psicólogo clínico, acompanhante terapêutico e mestre em estudos da subjetividade pela UFF. Mario Morel is a clinical psychologist, therapeutic companion and master in subjectivity studies from UFF.
Vitor Lemos Reis é psicólogo clínico, acompanhante terapêutico e mestrando em estudos da subjetividade pela UFF. Vitor Lemos Reis is a clinical psychologist, therapeutic companion and master's student in subjectivity studies at UFF.
Bruna Pinna é psicóloga clínica, acompanhante terapêutica e mestre em estudos da subjetividade pela UFF. Idealizadora da Casa Jangada no Rio de Janeiro. Bruna Pinna is a clinical psychologist, therapeutic companion and master in subjectivity studies from UFF. Creator of Casa Jangada in Rio de Janeiro.