Entre o surgimento e a desaparição: limiares contra-narrativos em “2021: Spell to become invisible”, de Jota Mombaça e Musa Michelle Mattiuzzi

Andressa Colbalchini e Ana Lúcia Mandelli de Marsillac


Palavras-chave: decolonialidade, contra-narrativa, arte, psicanálise, política


PT

A obra “2021: Spell to become invisible” é uma performance realizada através da parceria de duas artistas brasileiras, Jota Mombaça e Musa Michelle Mattiuzzi. Compreende um período de estudo de livros, os quais inspiram anotações em carvão sobre grandes folhas de papel, seguido da leitura dessas escritas em voz alta pelas artistas que, por fim, rasuram-nas diante do público, produzindo um desenho abstrato de grandes proporções. Trata-se de uma performance que se encontra no limite da própria definição, pois, ao dialogar com a leitura, a escrita e o desenho, tensiona as fronteiras entre distintas expressões artísticas. Da indefinição enquanto ato performático implícito na própria forma híbrida da obra, buscamos realizar uma análise imersa também nas fronteiras do indefinido, nos limiares entre ética, estética e política, tendo a psicanálise freudo-lacaniana como alicerce. Assim, movimentadas pela transferência com a obra, partimos do método psicanalítico, que compreende a associação livre, a atenção flutuante e análise das suas contingências de criação. Consideramos que, sendo permeada por referências aos estudos decoloniais, os quais estão presentes nos textos lidos pelas artistas durante a primeira etapa da performance, a obra parece interrogar, desde seu título, as dinâmicas de reconhecimento presentes na contemporaneidade e a lógica colonial que lhes atravessa. Diante disso, levantamos a seguinte questão: como a obra articula as possibilidades de resistência às contradições coloniais que assujeitam a diferença a uma gramática única de reconhecimento? Sem a intenção de chegarmos a uma resposta final e unívoca, orbitamos em torno dos significantes emergidos do encontro com a obra, traçando relações com as reflexões de Georges Didi-Huberman sobre a imagem, no tocante à escuridão como possibilidade de abertura para outras formas de visibilidade. Discutimos, a partir das contribuições de Vladimir Safatle, a respeito da obra artística como forma de emancipação não afeita a um sentido imediato, mas relativa à uma negatividade diante do instituído. Para a psicanálise, a rigidez do sentido não corresponde à ética do sujeito, uma vez que este se produz na hiância entre os significantes, deslizando metonimicamente nos movimentos do desejo. Em contrapartida, a modernidade colonial-capitalista instituiu modalidades de representação e de sentido pelas quais um sujeito pode se identificar e ser – ou não – reconhecido e aceito, comprimindo a possibilidade de emergência do novo e petrificando a história na violência da mesmidade. Nesse aspecto, a obra nos convida a vislumbrar uma potência política do invisível, no limiar entre a escrita e sua rasura, acionando e tensionando os espaços do conhecido e do desconhecido. Por fim, afirmamos sua força de dizer sem colonizar a latência do indizível, de apontar para a possibilidade de (r)existir coletivamente sem apagar-se no amálgama das massas, e de subverter os totalitarismos sem adentrar a uma lógica totalizante do ser.



Referências

  • DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
  • MOMBAÇA, J. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
  • SAFATLE, V. Em um com o impulso. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.


Bio


PT
Andressa Colbalchini
Psicóloga brasileira, Mestranda em Psicologia Social na linha de Psicanálise, Política e Cultura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No mestrado, pesquisa o enlace entre arte e psicanálise, a partir da obra da artista plástica Adriana Varejão.

Ana Lúcia Mandelli de Marsillac
Psicóloga, Psicanalista, Profa. Dra. Departamento de Psicologia e do PPG Psicologia UFSC/Brasil, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia UFSC, Coordenadora do Laboratório de Psicanálise, Processos Criativos e Interações Políticas (LAPCIP/UFSC). Pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa/Portugal.

EN
Andressa Colbalchini
Brazilian psychologist, Master's student in Social Psychology in the field of Psychoanalysis, Politics and Culture at the Federal University of Santa Catarina (UFSC). In her master's degree, she researches the link between art and psychoanalysis, based on the work of the artist Adriana Varejão.

Ana Lúcia Mandelli de Marsillac
Psychologist, Psychoanalyst, Prof. Dr. Department of Psychology and PPG Psychology UFSC/Brazil, Coordinator of the Postgraduate Program in Psychology UFSC, Coordinator of the Laboratory of Psychoanalysis, Creative Processes and Political Interactions (LAPCIP/UFSC). Post-doctorate at Universidade Nova de Lisboa/Portugal.


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