A PALAVRA AFIADA: da crítica à reanimação da língua

Clara Motta


Palavras-chave: Escrita acadêmica, Experiência, Linguagem, Subjetividade, Oficinas estéticas


PT

A palavra afiada é o nome de uma oficina estética de escrita direcionada à estudantes de pós-graduação, realizada no âmbito de uma pesquisa de mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. O dispositivo da oficina tinha como direção a ativação e ampliação dos participantes com uma certa natureza poética da linguagem (Kirinus, 2011) afim de azeitar as máquinas de produção do texto científico na área das humanidades. A proposta surge de um diagnóstico do presente relativo a um certo ‘apodrecimento da língua’, fazendo com que esta perca sua capacidade de agenciar novos sentidos no mundo. Essa espécie de neutralização da potência da palavra é pensada, especificamente na pesquisa em questão, no âmbito da escrita científica no campo das humanidades a partir do esvaziamento dos termos usados para compor os artigos, teses e dissertações, da perda da capacidade de transmissão e produção de uma experiência em seu sentido profundo. Tomando como ponto de partida a Carta a Lord Chandos, de Hugo Von Hofmmansthal (2012) na qual o jovem literato compartilha com um amigo a estranha enfermidade de sentir as palavras abstratas se decompondo na boca como fungos apodrecidos’, percorreremos as reflexões de Jorge Larrosa (2020), filósofo da educação espanhol a respeito da temática, lateralizados à concepção performática da palavra segundo a obra de Valère Novarina. Ao traçar em seus textos a impossibilidade da linguagem ser apenas um instrumento humano, o dramaturgo francês irá dizer que “falar não é comunicar (...) falar é antes abrir a boca e atacar o mundo com ela, saber morder. O mundo é por nós furado, revirado, mudado ao falar” (Novarina, 2007, p. 16). Diante da experiência da linguagem apodrecida, os exercícios lúdicos com as palavras propostos na oficina tinham em vista a liberação dos usos enrijecidos da linguagem, resgatando a possibilidade reanimar a língua. As brincadeiras envolvendo a descontextualização semântica e sintática, permitia às palavras serem lançadas em uma espécie de flutuação significante, que é nada menos do que imagem acústica da palavra (Sausurre, 2013); não apenas o som da palavra falada, mas a inscrição psíquica de seu som. Afiar palavras é, portanto, compor novas imagens possíveis a partir da maneira como correlacionamos o mundo aos conjuntos de letras que traçamos no papel. Em uma composição de fragmentos do relato da experiência de coordenação das oficinas e de tratados sobre a linguagem e sobre a experiência com a linguagem, como a Carta a Lord Chandos e o texto dramatúrgico de Valère Novarina, pretende-se traçar um percurso da crítica à reanimação da linguagem, em um passeio pelas múltiplas dimensões da palavra.



Referências

  • KIRINUS, Glória. Synthomas de poesia na infância. São Paulo: Paulinas, 2011.
  • LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
  • HOFMMANSTHAL, HUGO VON. Carta a Lord Chandos. Belo Horizonte: Edições Chão da Feira, 2012.
  • NOVARINA, Valère. Diante da palavra. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.
  • SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo, Cultrix: 2013.


Bio


PT
Clara Motta - Psicóloga e psicanalista em formação. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, com uma pesquisa sobre a experiência de escrita na pós-graduação a partir da proposição de oficinas estéticas de escrita. Atualmente é doutoranda no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas na Universidade Federal de Santa Catarina, interrogando práticas de desmedicalização no domínio da infância.
EN
Clara Motta- Psychologist and psychoanalyst in training. Master in Psychology from the Federal University of Santa Catarina, with research on the experience of writing in postgraduate studies based on the proposition of aesthetic writing workshops. She is currently a doctoral student in the Interdisciplinary Program in Human Sciences at the Federal University of Santa Catarina, interrogating demedicalization practices in the field of childhood.


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