Palavras-chave: antropoceno; perspetivas não-humanas; saber indígena; ecologicity; tecnologias pós-fotográficas
No contexto do antropoceno, a arte não apenas disponibiliza ao olhar a informação ecológica, como também consolida uma certa orientação cultural – ou seja, uma determinada forma de a ver. Abordando diferentes dimensões estéticas e perceptivas envolvidas na visualização da nossa condição ecológica, esta apresentação parte do conceito “ecologicity” (Boetzkes, 2015), que nasce de uma constelação formada entre neurologia, ecologia, visualidade e arte, versando a ideia de que o antropoceno é um fenómeno relacionado com a vivência daquilo que nos rodeia e com determinadas formas de visualidade. Considerando assim o modo como o antropoceno alterou os termos e parâmetros da percepção, pretende-se interpelar este conceito através de uma abordagem a dois filmes realizados por artistas – Can the Sun Lie? (2014) de Susan Schuppli e Europium (2014) de Lisa Rave – que conceptualizam uma política de ser ecológico, onde a arte é um meio pelo qual esta perspectiva ecológica é incorporada na visão e torna-se ela mesma uma forma de visualidade. O filme Can the Sun Lie? aborda a emergência de um novo regime visual provocado pelas alterações climáticas, bem como a disputa entre a experiência científica e o conhecimento ancestral de povos indígenas do norte do Canadá, mostrando como testemunhas não-humanas podem gerar evidências materiais. O filme critica assim o monopólio ocidental na produção de conhecimento e as suas formas de desacreditar outras configurações de saber. Já, a obra Europium trata os vestígios materiais das intervenções humanas nos estratos geológicos. O filme estabelece ligações entre o passado colonial da Papua Nova Guiné e a escavação planeada de matérias-primas no Mar de Bismarck, tecendo uma narrativa em torno do elemento de terras raras ‘európio’: um material que garante imagens coloridas e brilhantes em ecrãs, e também é utilizado para avalizar a autenticidade das notas de euro. A obra traça conexões entre ecologia, economia, espiritismo, tecnologia e fetichismo. Os dois filmes têm em comum a utilização que fazem de imagens encontradas, materiais de arquivo e animação 3D, procurando igualmente retratar vozes e experiências indígenas, incluindo pontos-de-vista não-humanos, que são representados aqui como atores ativos, dinâmicos e produtores de saber. Por outro lado, os filmes tratam sistemas de visão mecânica e a sua relação com o monitoriamente ambiental, mas também a integração da materialidade da natureza na tecnologia, o que envolve a produção de uma “semiótica da paisagem” (Schuppli, 1994): a transformação da paisagem física em código e/ou texto. Partindo da noção de ‘ecologicity’, pretende-se que a análise a estas duas obras seja igualmente focada no modo como o antropoceno entrou na visualidade, e como as suas políticas de representação são frequentemente produzidas através de tecnologias pós-fotográficas: a visualização de dados, gráficos, imagens de satélite e sensoriamento remoto. Esta monitorização origina “tecno-geografias” (Gabrys, 2016), onde a tecnologia não apenas regista informações sobre um dado ambiente, mas também gera novos ambientes e relações ambientais, dando voz a entidades como animais, plantas e objetos inanimados. Perante um planeta em crise, esta apresentação pretende portanto tratar a necessidade de considerar formas alternativas de conhecimento e comunidade.
PT
Sara Castelo Branco (Porto, 1989). Investigadora e curadora. É doutorada em Arts et Sciences d’Art e Ciências da Comunicação pela Université Paris 1 - Panthéon Sorbonne (Paris) e FCSH-UNL (Lisboa) (co-tutela), como bolseira da FCT. É professora convidada em 'Ecologia e Estética das Artes Digitais' no mestrado em New Media Art da Escola das Artes – Universidade Católica Portuguesa. É investigadora colaboradora no ICNOVA – Cultura, Mediação e Artes (FCSH-UNL) e investigadora integrada no CITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (Universidade Católica do Porto). Tem um mestrado em Estudos Artísticos – Teoria e Crítica da Arte pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (2014), e uma licenciatura em Ciências da Comunicação e da Cultura pela Universidade Lusófona do Porto (2012). Tem realizado curadoria de exposições, ciclos de cinema e simpósios em instituições como ICI Berlin Institute for Cultural Inquiry/Bard College (Berlim, 2023), ACUD Galerie (Berlim, 2023), CRIPTA 747 (Turim, 2021), Galeria Zé dos Bois (Lisboa, 2021), Galerias Municipais de Lisboa (Lisboa, 2020), CSL (Lisboa, 2022), Brotéria (Lisboa, 2024) ou Arsenal – Institut für Film und Videokunst (Berlim, 2019 e 2023). Realizou residências artísticas na Cité Internationale des Arts (Paris, 2023) e CRIPTA 747 (Turim, 2021). Contribui regularmente com ensaios para revistas, monografias e catálogos de arte (Mousse, Contemporânea, ATLAS Projectos, Archive Books, etc.).
EN
Sara Castelo Branco (Porto, 1989). Researcher and curator. She holds a PhD in Arts et Sciences d'Art and Communication Sciences from Université Paris 1 - Panthéon Sorbonne (Paris) and FCSH-UNL (Lisbon) (co-supervision), as an FCT fellow. She is a guest lecturer in 'Ecology and Aesthetics of Digital Arts' in the master's degree in New Media Art at Escola das Artes - Universidade Católica Portuguesa. She is a collaborating researcher at ICNOVA - Culture, Mediation and Arts (FCSH-UNL) and an integrated researcher at CITAR - Center for Research in Science and Technology of the Arts (Universidade Católica do Porto). She holds a master's degree in Artistic Studies - Theory and Art Criticism from the Faculty of Fine Arts of the University of Porto (2014), and a degree in Communication and Culture Sciences from Universidade Lusófona do Porto (2012). She has curated exhibitions, film cycles and symposiums at institutions such as ICI Berlin Institute for Cultural Inquiry/Bard College (Berlin, 2023), ACUD Galerie (Berlin, 2023), CRIPTA 747 (Turin, 2021), Galeria Zé dos Bois (Lisbon, 2021), Municipal Galleries of Lisbon (Lisbon, 2020), CSL (Lisbon, 2022), Brotéria (Lisbon, 2024) or Arsenal - Institut für Film und Videokunst (Berlin, 2019 and 2023). She has held artistic residencies at the Cité Internationale des Arts (Paris, 2023) and CRIPTA 747 (Turin, 2021). She regularly contributes with essays to magazines, monographs and art catalogs (Mousse, Contemporânea, ATLAS Projectos, Archive Books, etc.).