Palavras-chave: cinema: olhar, suicídio, saber médico, 13 reasons why
Em Cinema: instrumento de poesia, Buñuel (1958/1983) observa: “bastaria à branca pupila da tela de cinema poder refletir a luz que lhe é própria para fazer explodir o universo. Mas, por ora, podemos dormir em paz, porque a luz cinematográfica encontra-se convenientemente dosada e aprisionada. Em nenhuma das artes tradicionais há, como no cinema, tamanha desproporção entre possibilidade e realização” (p. 334). Buñuel sabe do que fala. Em Um cão andaluz (1929), Salvador Dali e ele operam um corte no olhar domesticado do espectador ao cortarem com uma navalha o olho de uma personagem. Em Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan (1964/2008) ajuda-nos a compreender o gesto dos surrealistas: “ele [o pintor] oferece algo como pastagem para o olho, mas convida aquele a quem o quadro é apresentado a depor ali seu olhar, como se depõem as armas. Aí está o efeito pacificador, apolíneo, da pintura. Algo é dado não tanto ao olhar quanto ao olho, algo que comporta abandono, deposição, do olhar” (p. 102).
A série 13 reason why, lançada por Brian Yorkey, em 2017, não oferece pasto para o olho do espectador. Ela consiste em uma reflexão sobre o bullying sofrido especialmente por jovens mulheres no contexto da high school estadunidense. Em sua cena crucial – posteriormente suprimida, em função da pressão exercida por instituições da saúde –, ela exibe, demoradamente, o suicídio de sua protagonista. A crítica médica é de que 13 reasons why é pedagógica, no sentido de ensinar um método de suicídio, mas não é pedagógica, na medida em que não informa que a personagem padece de um transtorno mental. A proposta deste trabalho é expor tal cena, mediante o alerta de sua crueza, a fim de lançar algumas interrogações. Que possibilidades sublimatórias ela oferece ao espectador? Que posições identificatórias (de vítima, de algoz, de observador, etc.) ela abre para o seu público? Em que medida a violência excessiva da cena pode favorecer elaborações e em que medida ela pode fazer sucumbir a quem a assiste? Há maneiras de enfrentar esta cena (sozinho, acompanhado, em silêncio, conversando, etc.) de um modo que ela opere em favor da vida, não da morte? Viver o suicídio na imaginação pode ser um modo de resistir a ele? Enfim, são questões como estas que este trabalho visa suscitar.
PT
Amadeu de Oliveira Weinmann: professor do Departamento de Psicanálise e Psicopatologia e do PPG em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), diretor da Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS e coordenador do GT ANPEPP Psicopatologia e Psicanálise.
EN
Amadeu de Oliveira Weinmann: professor at the Department of Psychoanalysis and Psychopathology and the PPG in Social and Institutional Psychology (UFRGS), director of the Psychological Care Clinic at UFRGS and coordinator of the GT ANPEPP Psychopathology and Psychoanalysis.