Palavras-chave: Fotografia, Fotografia experimental, Arte contemporânea, Arte-têxtil, Ontologia
Ao aproximar a fotografia das práticas andinas de tecelagem, a série “Detrás del têxtil” (2018-2019), da artista peruana Ana Teresa Barboza, oferece pistas para pensar o estatuto da fotografia na contemporaneidade, bem como novas possibilidades de viver em comum no contexto das atuais crises climáticas, sociais, políticas e estéticas. Nesta série, suas imaginações artísticas se desdobram na criação de foto-esculturas de mapas geológicos híbridos de regiões específicas relacionadas às distintas práticas tradicionais de tecelagem peruana. São territórios onde vivem comunidades de língua quéchua e aymará, baseadas, segundo, Elvira Espejo (2022), no sistema da criação mútua, um sistema de co-responsabilidade entre os seres humanos e não-humanos, no qual matéria é sinônimo de ser vivo, capaz de sentir as mudanças em seu corpo e em sua subjetividade de acordo com o modo como recebe cuidados. Ao longo da história da fotografia latino-americana observamos diversas propostas de ultrapassagens do dispositivo modelo da fotografia, nomeado por Antonio Fatorelli (2013) de “forma-fotografia”, responsável por consolidar, ao longo da história “uma concepção purista e direta da prática fotográfica exclusivamente voltada à legitimação de certas propriedades formais, como a imagem instantânea, única e sem interferências.” (FATORELLI. 2013, p. 21). É preciso considerar que a consolidação da “forma-fotografia” se relaciona, sobretudo, a um determinado modo de ver e representar advindos dos princípios da racionalidade europeia, ancorada em critérios como objetividade, racionalidade e progresso, predominantes na modernidade, a partir do século XIX. A “forma-fotografia” (FATORELLI, 2013) responde, portanto, pela parcela de mundo organizada e construída em conformidade ao modelo hegemônico de visão predominante no ocidente, no qual um olhar perspectivado elabora a paisagem em um plano racional e bidimensional, encarnando toda a dinâmica moderna da relação dualista do sujeito com o mundo. Adotar uma perspectiva experimental para pensar a fotografia contemporânea demanda adotar um outro olhar sobre as concepções modernas essencialistas. Sob essa perspectiva, as passagens entre as imagens (BELLOUR. 1997), os híbridos foto-cinematográficos (FATORELLI, 2013), e os diferentes modos não convencionais de inscrição das imagens devem ser observados desde o advento da fotografia, ainda que tenham sido historicamente recalcados sob a denominação genérica de experimental. Ao misturar fotografia de paisagem, bordados tradicionais e tecidos artesanais, Ana Teresa Barboza não apenas ultrapassa a concepção moderna da fotografia, desdobrada também ao longo do século XX em um gênero chamado fotografia de paisagem, mas também expõe visões de mundo antagônicas. As foto-esculturas aqui apresentadas denotam pequenos laboratórios experimentais, nos quais os diferentes métodos de conhecimento e de produção da imagem se interpenetram, se afetam, e se criam mutuamente. Ao questionar os dualismos que sustentam as bases de nossos modos de produção de conhecimento – sujeito e objeto, natureza e cultura –, Ana Teresa Barboza desafia também os parâmetros que estruturam o campo da arte. De que forma esse atravessamento entre diferentes meios artísticos e culturais é capaz de produzir um pensamento crítico sobre a fotografia na contemporaneidade é a preocupação central desta proposta. Trata-se de observar em que medida o esgotamento do planeta, dos modos de produção e da própria centralidade do humano, temas recorrentes em diversos trabalhos artísticos na atualidade, encontram correspondência no esgotamento do pensamento ontológico sobre a imagem fotográfica, pressuposto nos dispositivos de produção visual e audiovisual modernos. Sob a perspectiva de uma fotografia expandida, trata-se de perceber como a fotografia atravessada pelas práticas ancestrais de tecelagem, comumente associadas ao universo do trabalho artesanal feminino, pode funcionar como uma potente estratégia estético-política para a produção de outros modos de ser e de estar em comum.
PT
Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999) e mestrado em Comunicação pela mesma universidade (2003). Concluiu o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com estágio de pesquisa na Université Paris1: Sorbonne. Atualmente é professora associada da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e professora permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura - PPGCOM-ECO/UFRJ. Foi coordenadora da Central de Produção Multimídia da ECO/UFRJ entre 2016 e 2019, e coordenadora do PPGCOM ECO/UFRJ entre 2019 e 2021. É integrante o grupo de pesquisa N-imagem e vice-coordenadora do grupo de pesquisa Fotografia, Imagem e Pensamento (CNPq). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Artes, atuando principalmente nos seguintes temas: fotografia, arte contemporânea, cinema, vídeo e novas mídias.
EN
Has a degree in Social Communication from the Federal University of Rio de Janeiro (1999) and a master's degree in Communication from the same university (2003). She completed her doctorate at the Federal University of Rio de Janeiro, with a research internship at Université Paris1: Sorbonne. She is currently an associate professor at the School of Communication at the Federal University of Rio de Janeiro, and a permanent professor at the Postgraduate Program in Communication and Culture - PPGCOM-ECO/UFRJ. She was coordinator of the ECO/UFRJ Multimedia Production Center between 2016 and 2019, and coordinator of PPGCOM ECO/UFRJ between 2019 and 2021. She is a member of the N-imagem research group and deputy coordinator of the Photography, Image and Thought research group (CNPq). Has experience in the area of Communication, with an emphasis on Arts, working mainly on the following themes: photography, contemporary art, cinema, video and new media.